Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
687/16.2T8TMR-D.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: PROCESSO TUTELAR DE MENORES
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Da conjugação do disposto nos artigos 11º, nº 8, 40º, nº 1, b) e 42º do Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, resulta que se um Tribunal do Estado-Membro de origem da criança proferir posteriormente a uma decisão de retenção da mesma proferida noutro Estado-Membro para onde a criança foi deslocada, uma decisão que ordene o regresso da criança, devidamente homologada pela competente certidão, os tribunais desse outro Estado onde a criança foi retida não podem reapreciar nem do ponto de vista material, nem do ponto de vista formal, esta última decisão com o objectivo de impedir a sua execução, devendo actuar apenas como tribunal de execução da decisão posterior que exige o regresso da criança.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 687/16.2T8TMR-D.E1

Apelante: (…)
Apelado: Ministério Público

Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do C.P.C.)
(…)
***
I – RELATÓRIO
Por solicitação da Autoridade Central de Portugal, concretamente a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante apenas DGRSP), o Ministério Público requereu, em representação de (…), nascido em 22/07/2004 e de (…), nascida em 05/08/2007, a instauração de processo para entrega judicial das referidas crianças, em execução de decisão judicial proferida por Autoridade Judiciária Francesa, contra a mãe daquelas, (…), residente na Rua (…), (…), (…), Alcanena, ao abrigo do disposto nos artigos 11º, nº 8 e 42º, ambos do Regulamento C.E. nº 2201/2003, do Conselho de 27/11/2003.
Alegou, em síntese, que em 29-07-2014 ficou estabelecido por decisão do Tribunal de Família de Grande Instância de Bobigny que, com início em Setembro de 2014, as responsabilidades parentais a favor do (…) e da (…) seriam exercidas em conjunto pelo seu pai e pela sua mãe e que a guarda das duas crianças seria deferida ao pai em França, com quem as mesmas deveriam residir, esclarecendo que desde Setembro de 2014 que (…), pai das crianças, reside em 21, Rue (…), (…), França e (…), mãe das crianças, reside na Rua (…), (…), Alcanena, Portugal, mais acrescentando que, por acordo entre os pais das duas crianças, o (…) e a (…) saíram com a mãe de França em 15 de Abril de 2016, com regresso previsto a 1 de Maio de 2016, não tendo regressado na data acordada.
Alegou, ainda, que no dia 11-7-2019, conhecendo a referida decisão judicial proferida nestes autos, sem a presença da Requerida (que foi representada no ato por um(a) Defensor), o Tribunal “Grande Instance de Paris” determinou, além do mais, que a residência habitual da (…) e do (…) fosse fixada junto do progenitor e que, como tal, estas crianças deveriam regressar, de imediato, para junto daquele, pelo que no dia 19/7/2019 a Autoridade Central Francesa veio solicitou à Autoridade Central Portuguesa (DGRSP), a execução do pedido de regresso do (…) e da (…) ao território Francês, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 8, do Regulamento CE 2201/2003.
Foi carreada aos autos a certidão prevista nos artigos 42.º e 11.º, n.º 8, do Regulamento CE 2201/2013, de 27/11/2013 do Conselho.
Recebidos os autos no Tribunal a quo diligenciou-se pela audição do (…) e da (…).
O Digno Magistrado do Ministério Público teve vista do processo previamente ao proferimento de decisão e exarou parecer.
Após, foi proferida sentença pela Mmª Juíza do Tribunal a quo com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, ao abrigo do estatuído nos artigos 11.º, n.º 8 e 42.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, verificada a executoriedade em Portugal da sentença proferida em 11-07-2019, pelo Tribunal de Grande Instance de Paris, em França, no processo n.º RG 19/35392, em que são partes o Requerente (…) e Requerida (…) e é determinada a entrega dos menores (…) e (…) ao pai, homologo a mesma.
Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), RCP).
Fixo à ação o valor de € 30.000,01.
Registe.
Notifique.
Comunique à Autoridade Central Direção-Geral de Reinserção Social, sendo ainda para indicar data e modo de operacionalizar a entrega dos menores”.
*
Inconformada com a decisão, a Requerida (…) apresentou requerimento de recurso alinhando as seguintes Conclusões:
“CONCLUSÕES:
1) Aquando da audição dos menores, foi determinado pelo Tribunal, a realização de relatório social sobre os mesmos bem como do respectivo agregado familiar em que os mesmos residem actualmente com a sua mãe, o seu padrasto e com o seu irmão mais novo.
2) Aguardava-se a instrução e emissão de tal relatório social.
3) E eis que surge a sentença de fls. sem justificar porque razão se abdicou do relatório social.
4) Sem notificar a mãe ou o seu mandatário de qualquer posição relativamente ao relatório social.
5) Sem dar oportunidade à mãe para se pronunciar sobre o relatório social.
6) Sem permitir que a mãe tivesse oportunidade de se pronunciar sobre esta intenção do tribunal em decidir, de forma completamente contrária ao que anteriormente tinha determinado aos sujeitos processuais, conforme consta da acta de fls.
7) Trata-se de uma decisão surpresa. Nula porque proibida por Lei.
8) Nula, porque não garantiu os direitos da recorrente em se pronunciar sobre esta intenção do tribunal em decidir já, sem ter ao seu dispor todos os elementos que tinha anteriormente determinado que se apurassem.
9) Nula, porque não permitiu conhecer-se sobre o relatório social que anteriormente tinha sido ordenado realizar.
10) Nula, porque não explicou porque não quis saber do relatório social e porque não apreciou correctamente todos os elementos do processo e que estão nos autos.
11) Em sede de audição dos menores, foram juntos documentos ao processo, nomeadamente as notas escolares dos menores.
12) E dois pareceres médicos atestando a estabilidade psicológica dos menores desde que estão com a mãe e atestando ainda a perturbação dos menores com a simples ideia de poderem regressar a França.
13) Ora, a decisão recorrida analisou estes documentos?
14) E se não analisou porque não explicou porque não analisou?
15) E porque não quis saber destes documentos?
16) Da sentença nada consta. O que também implica a nulidade da decisão recorrida por não ter apreciado todos os elementos apresentados pela recorrente e não justificou a razão de tal não apreciação. Nulidade que também aqui se invoca.
17) Pelo que, por estes motivos deverá anular-se a decisão recorrida.
18) Se a decisão recorrida tivesse analisado e lido os autos chegaria à conclusão que, por exemplo a convenção de Haia já não é aplicável a este caso.
19) Só a titulo de exemplo, alertamos para o facto de, conforme consta dos autos, os menores estão legalmente em Portugal há mais de 3 anos.
20) E estão legalmente em Portugal porque houve uma decisão do tribunal de tomar – que consta dos auto – que confirmou a legitimidade para os menores ficarem em Portugal junto da mãe e bem assim, recusou a entrega dos menores para França.
21) Decisão esta confirmada por esse venerando Tribunal da Relação de Évora.
22) Ora, como tal, aplica-se a regra de que a morada habitual dos menores passou a ser em Portugal, porque já passou mais de um ano desde que estão cá a residir. Na verdade, já passaram 3 anos em que os menores estão em Portugal.
23) E isto nada contou para o tribunal? Não se preocupou com os interesses dos menores e sem mais coloca-se em causa a sua estabilidade já construída há mais de 3 anos?
24) De facto, a convenção de Haia apenas se aplica em casos em que os menores não estejam legalmente no país. Mas neste caso estão. Por decisões judiciais já confirmadas e constantes dos autos.
25) Dos autos também consta que o progenitor, abdicou dos menores. Veja-se que o progenitor instaurou nos autos um procedimento de regulação das responsabilidades parentais, mas acabou por atravessar um requerimento de desistência sobre tal pedido.
26) Ora, o progenitor desistiu do pedido de regulação do poder paternal sobre os menores. Está no processo. É uma questão de ler e analisar.
27) Como interpretar uma desistência do progenitor sobre o poder paternal?
28) Salvo melhor opinião, esta desistência tem efeitos jurídicos irreversíveis e definitivos.
29) Pois, implicou uma desistência sobre os menores por parte do progenitor, que aliás, diga-se, em sede de audiência dos menores estes revelaram que o progenitor nunca mais os procurou – portanto há mais de 3 anos.
30) E de facto, olhando para os autos não há qualquer elemento que indique que o progenitor tenha procurado os menores, aliás, acabou por desistir do pedido de poder paternal. Veja-se o processo.
31) Estamos perante um quadro de completa estabilidade no que aos menores diz respeito, desde que vieram viver para Portugal há mais de 3 anos.
32) Os menores têm frequentado a escola, com boas notas,
33) Têm amigos, estão bem integrados no meio onde vivem.
34) E não é por haver uma decisão de um tribunal francês que tenha que se decidir logo homologar tal decisão sem olhar para o caso concreto.
35) Não se compreende porque razão, passados 3 anos é emitida uma nova decisão sem que a recorrente esteja presente, e com base numa realidade em que a morada dos menores está fixada em Portugal por via do tempo decorrido.
36) Esperava-se uma melhor interpretação, por parte da decisão recorrida, das normas legais aplicáveis ao caso e às circunstâncias concretas deste processo.
37) E neste caso, não se aplica a convenção de Haia.
38) Mas mesmo que se aplicasse, nunca podia ir contra os direitos e interesses e vontade manifestada dos menores.
39) Note-se que, no único ponto positivo que tem, a sentença recorrida reconhece uma coisa: “os menores demonstraram claramente que não querem voltar a França”.
40) Ora, faltou na decisão recorrida ter-se em conta a vontade e interesse dos menores.
41) E depois, faltou ter em conta todas as circunstâncias concretas de estabilidade e felicidade que os menores vivem junto da mãe aqui em Portugal.
42) Consta dos autos que, os menores chegaram a Portugal no dia 15 de Abril de 2016.
43) E logo após a sua chegada, os mesmos começaram a referir que não queriam voltar a França para junto do requerido.
44) Quando lhes foi perguntado porque razão os mesmos não queriam voltar,
45) Os menores, apesar de se recusarem a falar sobre o assunto, manifestaram grande ansiedade e perturbação em voltar para França.
46) A recorrente, notara que os menores apresentavam características semelhantes a comportamentos depressivos, ansiedade e stress.
47) E referiu que após manifestarem que não querem voltar a França, os menores passaram a residir, em Portugal, com a Requerente, o marido da Requerente e o irmão de 6 anos, na casa de família.
48) Todavia, apesar de todos estes factos e circunstâncias, o tribunal “a quo” proferiu (erradamente) a decisão de fls.
49) Pois, dos elementos constantes dos autos, deveria ter sido feita outra interpretação das normais jurídicas aplicáveis a este caso.
50) Desde logo, o tribunal deveria ter apurado sobre as circunstâncias concretas dos menores, de modo a poder apurar qual o seu interesse superior a defender e a preservar neste caso.
51) O tribunal não se preocupou sequer em ter em conta os meios de prova requeridos neste processo, fosse pela recorrente, fosse inclusive pelo Ministério Público neste processo.
52) Decidiu-se sem saber quais os superiores interesses destes menores.
53) Por outro lado, decidiu-se nos termos da sentença de fls., apesar de existirem nos autos elementos suficientes para consubstanciar situações de maus-tratos levados a cabo em França pelo pai sobre os menores.
54) E estas circunstâncias enquadram-se numa das excepções previstas no artigo 13º da Convenção de Haia, que impede o regresso imediato das crianças.
55) A al. b) do artigo 13º da referida Convenção de Haia estipula que o tribunal não é obrigado a ordenar o regresso da criança se esta ficar sujeita a perigos de ordem física e psicológica, ou de qualquer outro modo ficar numa situação intolerável.
56) Ora, tendo em conta o que consta do processo, o que foi alegado pela mãe e os elementos (clínicos) que constam dos autos, constam elementos que indicam que se estas crianças regressarem a França para junto do pai vão ficar sujeitas a perigos de ordem física e psíquica e ainda vão ficar numa situação intolerável.
57) Pois, não é tolerável afastar estas crianças da mãe e do ambiente de paz e estabilidade que estas encontraram agora junto da mãe e já consolidado há mais de 3 anos.
58) Bem como não é tolerável que se afastem estas crianças do seu irmão de 6 anos.
59) E, dos autos consta que logo que chegaram a Portugal, os menores manifestaram não pretenderem regressar a França.
60) Manifestando grande ansiedade e perturbação, revelando episódios em França que podem consubstanciar elementos suficientes de maus-tratos físicos e psicológicos perpetrados pelo pai sobre os menores em França.
61) O que, na perspectiva do superior interesse da criança, deveria ser apreciado devidamente pelo tribunal – e não foi.
62) Todos estes elementos constantes dos autos, desde logo enquadram a situação destas crianças nas excepções previstas no referido artigo 13º da Convenção, que impede o regresso imediato das crianças.
63) Não podia assim proferir-se a sentença recorrida, sem primeiro tomar as medidas adequadas para garantir a protecção das crianças.
64) O que deveria ter sido feito e não homologar de forma subserviente a um Tribunal Francês a entrega das crianças ao pai,
65) Sem ter em conta os elementos do processo.
66) E até indagar sobre as partes no sentido de se encontrar uma solução amigável para este caso, conforme aliás foi sugerido nos autos pela autoridade central logo no início do processo, há 3 anos atrás.
67) Mas, o tribunal decidiu da forma que se viu, proferindo uma decisão sem ter em conta os direitos das crianças e sem se preocupar com a sua sorte.
68) O tribunal “a quo” decide e não dá qualquer justificação para não ter considerado o relatório social, os pareceres médicos e as notas escolares, antes de tomar qualquer decisão.
69) Nem justifica porque não teve em conta as diligências de prova requeridas pelos vários intervenientes neste processo.
70) Nem justifica porque não teve em consideração os elementos probatórios relativos ao modo como os menores se encontravam psicologicamente quando chegaram de França a Portugal.
71) Nem justifica porque não teve em consideração os elementos de facto indicados no processo relativos à estabilização da vida dos menores em Portugal, com a integração na escola em Portugal, com a aquisição de novos amigos e ainda com o facto de voltarem a reunir-se como família junto do seu irmão de 6 anos.
72) Todos estes elementos demonstram que a residência dos menores passou a ser em Portugal junto da recorrente.
73) Esperava-se mais do tribunal “a quo”.
74) Não uma decisão sumária, insensível aos interesses destas crianças.
75) Determinando que as mesmas fossem entregues ao pai, sobre o qual recaem indícios suficientes de maus-tratos e para quem os menores não querem voltar.
76) Tudo elementos que demonstram que a residência habitual dos menores é em Portugal, na Rua (…), (…), (…), Alcanena, há mais de 3 anos.
77) Com o devido respeito, o tribunal "a quo" não entendeu, nem soube apreciar os elementos constantes destes autos,
78) Nem soube interpretar devidamente os elementos e circunstâncias decorrentes dos presentes, nem aplicar a Lei a este caso concreto.
79) Trata-se assim de uma decisão aberrante que decidiu sem ter em conta todos os elementos de facto e de direito aplicáveis a este caso.
80) E sem ter tomado todas as diligências que se impunham neste caso.
81) Em completo atropelo aos direitos destas crianças.
82) Sem haver a preocupação de apurar previamente sobre qual o efectivo e superior interesse destas crianças neste caso.
83) Por outro lado, a sentença recorrida não teve em conta todos os direitos dos menores neste caso.
84) Veja-se nesse sentido o disposto no artigo 16º, n.º 4, da Convenção de Haia, o disposto no artigo 17º da Convenção de Haia e ainda os termos do artigo 12º e 10º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia-geral da ONU em 20-11-1989 e ratificada por Portugal em 21-09-1990.
85) O tribunal “a quo” não teve em conta as disposições legais acima indicadas. Nem se preocupou em explicar porque não as considerou.
86) Estamos perante uma situação de mudança de residência habitual destas crianças.
87) Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia-geral da ONU em 20-11-1989 e ratificada por Portugal em 21-09-1990, as crianças têm o direito de deixar qualquer país para fins de reunificação familiar.
88) E conjugada com o artigo 12.º da mesma convenção, a criança tem o direito a exprimir livremente a sua opinião sobre questões que lhes digam respeito. E tem o direito de ver essa opinião tomada em consideração.
89) Nada disto foi feito ou respeitado pelo tribunal “a quo”.
90) Acresce ainda que, com a decisão recorrida não há segurança jurídica para os menores neste processo.
91) Na verdade, não se compreende como é que uma questão que já estava resolvida, arrumada, decidida há 3 anos, pois, recorde-se que há 3 anos houve decisão igual emitida por França que, os Tribunais Portugueses recusaram cumprir,
92) Atendendo aos fundamentos expostos e constantes nas decisões plasmadas no processo,
93) Como é que agora, passados 3 anos, se permite haver a mesma decisão do tribunal Frances e poder haver uma decisão como a decisão recorrida que, ignora completamente tudo o que se passou no processo, ignora a situação dos menores em Portugal em concreto, esquece que a residência dos menores é Portugal há mais de 3 anos legítima e legalmente e decide nos termos em que decidiu.
94) Os menores precisam de estabilidade para continuarem a crescer, precisam que os deixem em paz, mas o que assistimos é que a decisão recorrida não dá segurança jurídica aos menores que assim ficam sempre em sobressalto por estar sempre presente o risco de voltar a França, basta o tribunal francês emitir uma decisão.
95) Ora, não é assim. Este caso já teve várias decisões que asseguraram a legitimidade dos menores estarem em Portugal, bem como dos autos constam elementos que asseguram a estabilidade dos menores em Portugal junto da mãe.
96) Mas mais, dos autos o que consta é que na verdade já não há interesse do pai nos menores,
97) E o que consta ainda é que, os menores estão com a família que com eles já residia em França, antes da mãe vir para Portugal, que é exactamente a mesma família como agora vivem (os menores, a mãe e o padrasto) e agora acrescentando o irmão mais novo de 6 anos.
98) Veja-se neste sentido as declarações dos menores prestadas nos autos.
99) A decisão proferida pelo tribunal "a quo" não apreciou assim devidamente o presente processo.
100) Nem conseguiu interpretar devidamente os elementos em questão neste processo.
101) Nem tomou devido conhecimento das questões que lhe foram apresentadas.
102) Nem conseguiu aplicar devidamente a Lei a este caso concreto.
103) Sofre assim a decisão recorrida de nulidade, que aqui se invoca com todos os efeitos legais (Art. 615º, n.º 1, al. d) e Art. 616º, n.º 2, als. a) e b), todos do CPC).
104) A sentença recorrida é que não esteve à altura das circunstâncias supra-referidas e não interpretou correctamente os elementos constantes dos autos, nem interpretou e aplicou devidamente as normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.
105) Deverá, assim, revogar-se a sentença recorrida.
Termos em que, se requer a V. Exas. a REVOGAÇÃO da decisão recorrida, por ser de LEI, DIREITO e JUSTIÇA.”

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso alinhando as seguintes Conclusões:
1 – O pedido de entrega judicial de criança que deu origem aos presentes autos surgiu na sequência da sentença proferida a 11/07/2019, pelo Tribunal de Grande Instance de Paris, que determinou a entrega dos menores (…) e (…) ao pai, residente em França, e assenta na executoriedade imediata que o artigo 42.º do Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, reconhece à referida sentença de 11/07/2019;
2 – A sentença de 11/07/2019, do Tribunal de Grande Instance de Paris, trata-se de uma decisão proferida ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 8, do Regulamento CE 2201/2003, sendo posterior a uma decisão de retenção das crianças (…) e (…) em Portugal, proferida pelos tribunais portugueses em 06/03/2017, ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980;
3 – A executoriedade imediata da sentença de 11/07/2019 advém da certificação que lhe conferiu o tribunal do Estado-Membro de origem (Tribunal de Grande Instance de Paris) nos termos previstos no n.º 2 do art. 42.º do Regulamento CE 2201/2003;
4 - Uma decisão que exija o regresso da criança ao abrigo do disposto no n.º 8 do art. 11.º do Regulamento CE 2201/2003 e que se encontre homologada/certificada pelo Estado- Membro de origem nos termos do nº 2 do artigo 42º do mesmo regulamento, é reconhecida e goza de força executória noutro Estado-Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento;
5 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, compete exclusivamente aos tribunais nacionais do Estado-Membro de origem analisar a legalidade da decisão de regresso da criança à luz das exigências impostas, em especial, pelo art. 42.º do Regulamento, pelo que os tribunais do Estado-Membro de execução, no caso, Portugal, não podem controlar ou opor-se à execução da decisão, mesmo que as circunstâncias reveladas do caso concreto possam justificar diferente decisão ou mesmo perante a oposição dos menores face ao regresso, como acontece com os menores (…) e (…);
6 – Neste contexto, forço é concluir que a sentença recorrida não padece de nulidade por não ter tido em linha de conta os elementos probatórios constantes dos autos que dão nota da vontade dos menores em permanecer com a progenitora e da boa integração daqueles no agregado familiar desta, no meio escolar e na comunidade local, onde estão inseridos há cerca de 3 anos;
7 – Pelo exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida não violou as disposições legais aplicáveis, devendo ser mantida.
Porém, Vossas Excelências, decidindo, farão JUSTIÇA!”

O pai do (…) e da (…) apresentou igualmente resposta ao recurso alinhando as conclusões seguintes:
1º- No dia 15.04.2016, (…) e (…) deslocaram-se a Portugal para passar uns dias de férias com a sua mãe, a Recorrente (…), sendo que deveriam ter regressado a França a 1 de Maio de 2016, o que não aconteceu.
2º- Nos termos desta retenção ilícita, o pai dos menores, (…), requereu na Instância francesa, contra a Recorrente, o regresso dos menores a França.
3º- No âmbito desse pedido, no dia 11.07.2019, foi proferida sentença pelo Tribunal de Primeira Instância de Paris, que declarou a lei francesa como a competente para julgar o presente litígio relativo à retenção ilícita dos menores em Portugal e ordenou o regresso de (…) e (…) a França, e consequente proibição da sua saída do território francês, atribuindo exclusivamente a (…) o exercício do poder paternal.
4º- Quanto à competência do Tribunal francês, refere o artigo 8º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 (também designado Bruxelas II bis), que “1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.
5º- E nos termos do artigo 10º do mesmo Regulamento, em caso de retenção ilícita de uma criança, o tribunal competente continua a ser o do Estado-Membro em que a criança residia antes da sua retenção ilícita, neste caso França, sendo que não são passíveis de ser preenchidos os requisitos para que a sua residência seja alterada para Portugal.
6º- O tribunal competente é, e sempre foi, o Francês, país que era o de residência dos menores, antes da retenção ilícita, e que continua a ser.
7º- Aliás, França continua a ser o país que melhor os pode acolher. Além de lá terem nascido, é lá que tem amigos e toda uma vida estável, nomeadamente junto do pai, que tem plenas condições físicas, emocionais e económicas para os ter consigo, e providenciar por tudo o que é melhor para eles. Estabilidade que dificilmente poderão encontrar em Portugal, para mais quando partilham casa com o padrasto que se encontra impedido de estar com os próprios filhos.
8º- A Recorrente não teve qualquer surpresa com a decisão do pedido de declaração de executoriedade, porquanto sempre esteve representada por defensor, recorrendo da douta sentença.
9º- A decisão de declaração de executoriedade não sofre de qualquer nulidade.
10º- O Tribunal de 1ª Instância não tinha que analisar quaisquer elementos de prova juntos pela Recorrente ou requerer relatórios sociais, pois não se trata de uma ação de alteração do exercício da regulação das responsabilidades parentais, mas sim a execução de uma sentença proferida num Estado Membro e ao abrigo do artigo 28º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 (também designado Bruxelas II bis).
11º- A sentença foi proferida pela Tribunal competente, é plenamente válida, não padecendo que quais vícios.
Termos em que, deve manter-se a decisão recorrida, diligenciando-se pelo regresso dos menores (…) e (…) a França”.

Admitido o recurso no Tribunal a quo os autos subiram a este Tribunal da Relação de Évora para apreciação tendo sido proferido despacho pelo relator com o seguinte teor:
“I - Oficie ao Tribunal de 1ª Instância solicitando que disponibilize o acesso, para consulta electrónica por parte deste Tribunal da Relação, do processo principal e apensos A, B e C.
II -
1. Resulta do artigo 652º, nº 1, a), do CPC que:
“O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente:
a) … convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º”.
2. Por seu turno decorre do referido nº 3 do artigo 639º do CPC que:
“Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
3. A este propósito diz-nos o Conselheiro António Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, 2018, a pág. 155), o seguinte:
“As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados.
Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências, doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação […]. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”.
4. Ora, analisando criteriosamente o segmento das conclusões introduzidas no requerimento de recurso da Apelante, verifica-se que as mesmas padecem notoriamente de falta da necessária sintetização constatando-se que a Recorrente logrou canalizar para o segmento das conclusões recursivas a esmagadora maioria da argumentação expendida na motivação, que deve constar apenas do segmento reservado à mesma, repetindo essa argumentação.
Tal encontra-se bem espelhado nos 105 pontos (ao longo de 10 páginas!), que a Recorrente descriminou nas conclusões recursivas quando é certo que a totalidade do segmento da motivação se espraiou por um total de 12 páginas.
5. O procedimento seguido em concreto pela Apelante é de molde a obstaculizar a que este Tribunal de recurso filtre com a desejável facilidade as concretas razões que justificam a pretensão daquela em ver alterado o julgado da 1ª instância.
6. Assim sendo, convido a Recorrente a, no prazo de cinco dias, apresentar segmento de conclusões recursivas devidamente sintetizado, sob pena de não se conhecer do recurso.
7. D.N. 04/11/2019”.
***
Notificada do despacho em apreço na própria data do seu proferimento a Apelante enviou a 13/11/2019 através de correio electrónico (e-mail), peça processual visando satisfazer o convite para aperfeiçoamento das conclusões recursivas.
Sobre tal peça processual recaiu despacho do relator com o seguinte teor:
“I - Sobre peça processual de aperfeiçoamento de conclusões recursivas constante de fls. 169 a 179 do processo físico:
1. Resulta do artigo 144º do Código de Processo Civil, doravante apenas CPC, que:
“1 – Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no nº 1 do artigo 132º, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva expedição”.
[…]
7 – Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os atos processuais referidos no nº 1 também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição”.
8 – Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no nº 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior”;
2. A portaria prevista no artigo 132º, nº 1, do CPC, é a Portaria nº 280/2013, de 26/08 que no seu artigo 3º deixou claro que para os profissionais forenses a apresentação a juízo dos atos processuais através do sistema de apoio aos tribunais, ou seja a plataforma Citius, tornou-se obrigatória, obrigatoriedade essa devidamente esclarecida no que respeita aos processos tramitados nos Tribunais da Relação pelo artigo 18º da Portaria nº 267/2018, de 20/09 (que alterou a Portaria nº 280/2013, de 26/08), o qual estabeleceu que tal ocorreria a partir de 09 de Outubro de 2018;
3. Sobre a noção de “justo impedimento” dispõe o artigo 140º do CPC, nos seguintes termos:
“1 – Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 – A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova …”;
4. Sucede, porém, que o ilustre mandatário da Apelante enviou a peça processual atinente ao aperfeiçoamento das conclusões recursivas no passado dia 12 de Novembro de 2019 através de correio electrónico (e-mail), não cumprindo, assim, o ônus de o fazer através da plataforma informática “Citius”, a que estava obrigado.
5.Tão pouco invocou qualquer fundamento fáctico que pudesse levar este Tribunal a concluir no sentido da verificação de justo impedimento para a prática do acto judicial em causa através da mencionada plataforma “Citius”, sendo certo que mesmo que o tivesse feito o meio alternativo por si escolhido não se enquadraria nos meios previstos acima no nº 8 (que remete para o nº 7), do artigo 144º do CPC.
Não deixa de causar alguma estranheza este procedimento quanto é certo que anteriormente apresentara o requerimento de recurso para este Tribunal da Relação através da plataforma informática “Citius”.
6. A talhe de foice, sempre se acrescenta que a Apelante tão pouco demonstrou ter notificado do acto praticado o Apelado, tendo o Ministério Público acabado por sê-lo, mas oficiosamente pela Secção de processos.
7. Termos em que no conspecto descrito não é possível admitir a peça processual enviada, razão pela qual se rejeita a mesma, devendo proceder-se ao seu desentranhamento dos autos e devolução à Apelante.
8. Custas a cargo da Apelante, com taxa de justiça mínima.
II - Notifique.
Évora, 05/12/2019”.
***
Notificada a 06/12/2019 do despacho anteriormente reproduzido, veio a Apelante intervir nos autos somente em 02/01/2020 e novamente por meio de correio electrónico (subsequentemente ao próprio desentranhamento determinado no despacho proferido em 05/12/2019, concretizado em 27/12/2019), arguindo uma nulidade do despacho proferido pelo relator em 05/12/2019, requerimento esse que mereceu novo despacho do relator com o teor que segue:
“I –
1.Veio a Apelante intervir nos autos através de requerimento enviado de novo por correio electrónico (e-mail), em 30/12/2019 onde suscita a nulidade da decisão proferida em 05/12/2019, alegando, em suma, não ter acesso franqueado à plataforma “Citius”, constituindo a decisão em apreço uma “decisão-surpresa”.
2. Resulta do nº 3, do artigo 652º do CPC que “Salvo o disposto no nº 6 do artigo 641º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.
E do nº 4 desse artigo consta que “A reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata, sendo, neste caso, aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 657º”.
3. Ora, salvo melhor opinião, o requerimento enviado pela Apelante não consubstancia uma reclamação para a conferência, não obstante estar em causa uma decisão que, pelo que alega, se depreende ser-lhe prejudicial. 4. Decorre, outrossim, do exame dos autos que a notificação do despacho proferido em 05/12/2019 foi enviada à Apelante nessa mesma data e produziu os seus efeitos em 09/12/2019.
5. Não existindo norma especial para a apresentação de reclamação para a conferência o prazo para o fazer é o prazo-regra de 10 dias, por aplicação do artigo 149º, nº 1, do CPC.
E o prazo é igual, por força da mesma norma, no caso de arguição de nulidades.
6. Logo, ainda que se considere admissível a arguição de nulidade fora do patamar da reclamação para a conferência, ou se subentenda pretender a Apelante reclamar por ter dirigido o requerimento a “Juízes-Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora” e não simplesmente ao relator, em qualquer dos casos o prazo regra expirou em 19/12/2019. 7. Estando em causa um procedimento que envolve o superior interesse de criança os prazos correm durante as férias judiciais, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 3, do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 e 13º do RGPTC, pelo que o prazo adicional de três dias úteis subsequente ao termo do prazo normal coincidiu com o dia 26/12/2019, concluindo-se assim ser a intervenção da Apelante extemporânea.
8. Esclareça-se, ainda, que a Apelante equivoca-se quando refere que a decisão de 05/12/2019 constituiu uma “decisão-surpresa”.
9. Sê-lo-ia se a Apelante tivesse invocado (como lhe competia fazer e tal encontra-se tratado na mencionada decisão), através de algum dos meios previstos no nº 7 (por força do nº 8), do artigo 144º do CPC, a impossibilidade de aceder à plataforma “citius” para enviar as conclusões aperfeiçoadas aquando da apresentação destas em 13/11/2019 e ainda assim o relator proferisse desde logo, sem se ater ao manifestado impedimento, decisão a rejeitar as ditas conclusões aperfeiçoadas conforme se fez no despacho de 05/12/2019.
10. Mas não foi isso que sucedeu, verificando-se que só agora, arguindo manifestamente fora de tempo uma nulidade da decisão, a Apelante logrou dar conhecimento da impossibilidade de praticar o acto através da plataforma informática “Citius”.
11.Termos em que se rejeita a peça processual em apreço, devendo proceder-se ao seu desentranhamento e concluir-se de novo os autos tão logo se revele oportuno.
12. Custas pela Apelante, com taxa de justiça mínima.
II – Determina-se, de todo o modo, que caso a Secretaria verifique a existência de algum constrangimento à intervenção das Partes através da plataforma “Citius”, o demova.
06/01/2019”.
*
Notificada do despacho anterior em 07/01/2020 a Apelante não reagiu ao mesmo tendo sido já cumprido pela secção o desentranhamento nele determinado.
Porém, fazendo tábua rasa do anteriormente decidido, a Apelante resolveu enviar novamente, em 13/01/2020, a peça processual com as conclusões aperfeiçoadas, que anteriormente remetera por correio electrónico em 13/11/2019, fazendo-o agora pela plataforma “Citius”.
Notificado, o Ministério Público interveio e referiu não ser de admitir aquelas conclusões, por intempestivas.
*
Questões a ponderar previamente à apreciação do recurso:
1- Quanto à apresentação do segmento das conclusões aperfeiçoadas por parte da Apelante através da plataforma “Citius” apenas no pretérito dia 13/01/2020, tendo em atenção o teor dos despachos proferidos anteriormente pelo relator acima reproduzidos e que não foram objecto de reacção, ou da adequada reacção, no devido tempo por parte da Apelante, afigura-se cristalino que a peça processual agora remetida pelo meio adequado se revela extemporânea não podendo ser recebida e menos ainda considerada nos autos, deles devendo ser a seu tempo desentranhada e devolvida.
2- Quanto à admissibilidade do recurso impõe-se ponderar neste momento se deverá, ou não, rejeitar-se o recurso da Apelante pela circunstância de não poder ser considerado o aperfeiçoamento das conclusões conforme acima exposto e as conclusões iniciais estarem eivadas de algumas irregularidades assinaladas no despacho de convite proferido em 04/11/2019.
A este propósito refere o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, 2018, pág. 160), o seguinte:
“[…] o despacho de convite não está coberto pela força de caso julgado, nem se esgotam com a sua prolação os poderes do juiz na apreciação da situação e dos efeitos que devem ser determinados.
Assim, se acaso o relator […] verificar, numa análise mais profunda, que o efeito de rejeição total ou parcial do recurso se mostra excessivo, deve abster-se de o declarar.
Enfim, depois de proferir o despacho de aperfeiçoamento […], em vez da extração automática de efeitos tão gravosos como a rejeição do recurso, na parte afectada pelas irregularidades, o relator deve ponderar de novo, dentro do seu prudente critério e com recurso aos princípios gerais do processo civil qual a solução que mais se ajusta à concreta situação”.
Ora, não obstante a patente extensão das conclusões recursivas, que as torna complexas e uma repetição quase integral do exposto no segmento destinado à motivação, conforme salientado no despacho proferido em 04/11/2019 (cfr. fls. 167-168 do processo físico), colocando desse modo flagrantemente em causa o propósito sintetizador que se pretende através do segmento das conclusões, não deveremos perder de vista que, apesar de o ter feito por meio não permitido por disposições legais já aplicáveis aos próprios Tribunais da Relação e como tal não poder admitir-se a peça em apreço, a Apelante pretendeu de algum modo colaborar respondendo ao convite para o aperfeiçoamento.
Por outro lado, não deveremos olvidar estar no caso concreto em causa o interesse de duas crianças, a cuja destinação se impõe dar resposta, afigurando-se preferível, por isso, relevar, sobre qualquer outro de pendor mais formal, o princípio da justiça material.
Acresce que a reanálise do segmento das conclusões apresentadas pela Apelante permite, ainda assim, perceber, não obstante, sublinhe-se, a falta de sintetização revelada na perniciosa massividade das conclusões apresentadas , que revestem interesse para aquela a reapreciação por parte deste Tribunal do mérito da decisão recorrida e de supostas nulidades desta última.
Como tal, concluindo revelar-se no caso vertente extremamente severa a pura e simples rejeição do recurso, conhecer-se-á do mesmo dentro dos limites que infra se descriminarão no segmento destinado à definição do seu objecto.
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O recurso é o próprio e foi admitido adequadamente na 1ª Instância quanto à espécie, modo de subida e efeito fixados.
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Houve lugar aos Vistos.
*
II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que, considerando ainda o supra definido em sede de questões prévias à apreciação do recurso, são as seguintes as questões a tratar no mesmo:
a) Nulidades da sentença recorrida;
b) Reapreciação de mérito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação de facto:
“1. (…) nasceu em 22-07-2004 e é natural de Montfermeil, Seine Saint Denis, França.
2. (…) nasceu em 05-08-2007 e é natural de Montfermeil, Seine Saint Denis, França.
3. Ambos têm registado como pai (…) e como mãe (…).
4. Em 29-07-2014 por decisão do Tribunal de Família de Grande Instância de Bobigny foi fixado o exercício das responsabilidades parentais conjunto pelo pai e mãe com guarda e residência com o pai em França, a partir do início de Setembro de 2014.
5. Os menores saíram com a mãe de França em 15 de Abril de 2016, com regresso previsto a 1 de Maio de 2016, não mais tendo regressado, tendo ficado a viver com a mãe.
6. Por decisão de 06-03-2017, já transitada em julgado, proferida nos autos principais, o Tribunal recusou-se a ordenar o regresso dos menores para junto do progenitor.
7. No dia 11-7-2019, conhecendo a referida decisão judicial proferida nestes autos, tendo a requerida sido representada no ato por um Defensor, o Tribunal “Grande Instance de Paris” determinou, além do mais, que a residência habitual dos menores fosse fixada junto do progenitor, ordenando o regresso dos menores.
8. No dia 19-07-2019, aquele Tribunal, Autoridade Central Francesa, veio solicitar à Autoridade Central Portuguesa (DGRSP), a execução do pedido de regresso daqueles menores ao território Francês, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 8, do Regulamento CE 2201/2003, tendo remetido a certidão prevista no artigo 42.º do mesmo regulamento.
9. As crianças foram, novamente, ouvidas (ref. 81785990), tendo manifestado clara oposição a regressarem a casa do pai tendo declarado preferirem ficar com a mãe”.
***
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Comecemos, então, por abordar a primeira questão (a)) acima descriminada atinente à invocada nulidade de sentença, que a Apelante enquadra na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Diz-nos o artigo 615º, nº 1, do CPC, que:
“É nula a sentença quando:
[…]
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
No que tange à nulidade acabada de mencionar, designadamente na vertente da “Omissão de pronúncia”, a que alude a primeira parte da dita alínea, diz-nos José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado” – Volume 2º Artigos 362º a 626º, Almedina, 4ª ed., Fevereiro 2019, pág. 737), o seguinte:
“Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608.º, 2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado…”.
De modo semelhante se pronunciam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol. I Parte Geral e Processo de Declaração Artigos 1º a 702º”, Almedina, 2018), em anotação ao mencionado artigo (pág. 738), referindo que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão”. E acrescentam ainda que “[…] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso”, não obrigando, todavia “[…] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com «questões» […]”.
Neste sentido saliente-se, entre vários outros , os acórdãos do STJ proferidos no Proc.º 555/2002, de 27/03/2014 , Proc.º 487/08.3TBVFX.L1.S1 de 30/06/2011 , Proc.º 1065/06.7TBESP.P1.S1 e Proc.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, ambos de 08/02/2011, acessíveis para consulta em www.dgsi.pt .
Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara que “Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”. E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia”.
Aportando ao caso concreto parece decorrer do que alinha de forma pouco explícita nas suas massivas conclusões recursivas que a Apelante enquadra a alegada nulidade de sentença no âmbito da omissão de pronúncia, sustentando que o Tribunal a quo deveria ter analisado e se pronunciado sobre documentos carreados aos autos, tais como notas escolares do (…) e da (…), pareceres médicos respeitantes aos mesmos e de um relatório social cuja realização foi ordenada pelo Tribunal a quo e de que o mesmo posteriormente “abdicou” sem prévia notificação à Apelante de que pretendia fazê-lo.
Não lhe assiste, todavia, de todo, razão.
Com efeito, as razões aduzidas pela Apelante para sustentar a nulidade da sentença não se enquadram na melhor interpretação doutrinária e jurisprudencial a conferir ao preceito em causa, conforme facilmente se constata do que supra foi exposto, na medida em que toma como premissa a não consideração, ou não apreciação correcta, de determinados elementos carreados aos autos para concluir pela verificação da arguida nulidade, confundindo, inclusive, uma suposta nulidade processual decorrente de uma alegada “decisão-surpresa” com a nulidade da sentença que identifica prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Na verdade, é inequívoco que elementos de prova não configuram “questões” no quadro normativo da nulidade em análise, sendo certo, ainda, que não se vislumbra em que medida pode a sentença recorrida configurar uma “decisão-surpresa”.
Sê-lo-ia seguramente se não tivesse correspondência com qualquer pretensão e argumentação plasmada nos autos previamente ao seu proferimento.
Porém, basta verificar o teor da petição inicial do presente procedimento (de que a Apelante terá tomado certamente o devido conhecimento, pois interveio em diligência realizada nos autos logo em 19/08/2019 e nada requereu no acto tendente a concluir-se desconhecer o peticionado na acção – cfr. acta de fls. 66 a 68), para se perceber que a questão tratada na sentença recorrida foi suscitada na dita petição e o decidido nela entroncou no peticionado.
Ora configurando a chamada “decisão-surpresa” uma decisão que não é expectável, sendo, por isso, inesperada face ao peticionado e tratado nos autos pelas Partes, é desrazoável no caso concreto e perante o exposto supra qualificar a sentença recorrida como tal.
Para encerrar a análise desta questão apenas de frisar que o facto de o relatório social requisitado pelo Tribunal a quo, e carreado aos autos a fls. 72 a 74 do processo físico, não ter aparentemente sido notificado à Apelante previamente ao proferimento da sentença recorrida nenhuma irregularidade processual revela, na medida em que o seu teor não teve qualquer influência no decidido mormente em sede de fundamentação de facto daquela, o mesmo sucedendo, aliás, com outros elementos documentais apresentados designadamente pela Apelante, face à especificidade do pretendido através do procedimento desencadeado pelo Ministério Público, do que, aliás, dá conta o Tribunal a quo na exposição de fundamentos efectuada no segmento destinado à fundamentação jurídica da sentença recorrida, particularmente quando refere: “É inquestionável a impossibilidade deste Tribunal de execução de questionar/verificar a validade (formal/material) da decisão do Tribunal de origem, mesmo considerando a manifestada oposição dos menores quanto ao regresso a casa do pai”.
Destarte, julga-se improcedente a arguida nulidade prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 615º do CPC, suscitada pela Apelante.

Prossigamos com a questão definida supra sob a alínea b) atinente à reapreciação de mérito.
Iniciaram-se os presentes autos com base em pedido formulado via autoridade central, visando o regresso do (…) e da (…) para junto do progenitor, pedido esse feito ao abrigo do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27/11/2003 do Conselho e Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças concluída em Haia a 25-10-1980 e ratificada pelo Estado Português através do DL. 33/83, de 15-05.
Releva particularmente para a decisão deste pleito o Regulamento CE acima identificado relativo à competência, ao reconhecimento e à execução em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.
Com efeito, dispõe o artigo 60º do mencionado Regulamento CE que:
“Nas relações entre os Estados-Membros, o presente regulamento prevalece sobre as seguintes convenções, na medida em que estas se refiram a matérias por ele reguladas:
[…]
e) Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças”.
Nenhuma dúvida subsiste quanto à aplicabilidade a Portugal e à França do Regulamento CE em apreço, pois ambos os Países são Estados-Membros da Comunidade Europeia, decorrendo ainda do artigo 72º do aludido Regulamento que o mesmo entrou em vigor em 01 de Agosto de 2004, sendo aplicável a partir de Março de 2005 “com excepção dos artigos 67º, 68º e 70º que são aplicáveis a partir de 1 de Agosto de 2004”, sendo o mesmo “obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia”.
Estabelece o artigo 11.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, que:
“1. Os n.ºs 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado-Membro uma decisão, baseada na Convenção da Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças (a seguir designada 'Convenção de Haia de 1980'), a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas”. […]
6. Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, deve imediatamente enviar, directamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as actas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção. […]
8. Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança”. (Itálico nosso)
Por seu turno dispõe o artigo 42.º do referido regulamento o seguinte:
“1. O regresso da criança referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º, resultante de uma decisão executória proferida num Estado-Membro é reconhecido e goza de força executória noutro Estado-Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento, se essa decisão tiver sido homologada no Estado-Membro de origem, nos termos do n.º 2 […]. (Itálico nosso)
2. O juiz de origem que pronunciou a decisão referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º só emite a certidão referida no n.º 1, se:
a) A criança tiver tido oportunidade de ser ouvida, excepto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade;
b) As partes tiverem tido a oportunidade de ser ouvidas; e
c) O tribunal, ao pronunciar-se, tiver tido em conta a justificação e as provas em que assentava a decisão pronunciada ao abrigo do artigo 13.º da Convenção de Haia de 1980.
Se o tribunal ou qualquer outra autoridade tomarem medidas para garantir a protecção da criança após o seu regresso ao Estado-Membro onde reside habitualmente, essas medidas deverão ser especificadas na certidão.
O juiz de origem emite a referida certidão, por sua própria iniciativa, utilizando o formulário constante do anexo IV (certidão relativa ao regresso da criança).
A certidão é redigida na língua da decisão.”
Como facilmente se conclui da redacção dos artigos 11º e 42º do Regulamento CE 2201/2003 acabados de reproduzir supra (mormente das várias alusões a artigos da mesma), neles o referido diploma dispõe sobre matérias igualmente prevenidas na Convenção de Haia de 1980.
Ora, da análise da matéria de facto considerada assente na sentença recorrida, que a Apelante não logrou impugnar com respeito pelo cumprimento do ónus previsto no artigo 640º do CPC, sendo, como tal, a matéria que releva para efeitos de apreciação deste recurso, decorre que o (…) e a (…) passaram a estar ilicitamente deslocados de França, por acção de sua mãe com quem ficaram a viver permanentemente em Portugal, a partir de 01 de Maio de 2016; que o pai das duas crianças formulou junto da Autoridade Central Francesa pedido para regresso imediato das duas crianças, o qual foi dirigido à Autoridade Central Portuguesa tendo no procedimento tutelar a que deu origem no nosso País sido proferida decisão em primeira Instância, confirmada subsequentemente no Tribunal da Relação, de recusa de regresso do (…) e da (…) a França para junto do pai, ficando em consequência os mesmos retidos em Portugal, bem como que após tomar conhecimento do teor da dita decisão o Tribunal de “Grande Instance de Paris” determinou, além do mais, que a residência habitual do (…) e da (…) fosse fixada junto do pai, em França, determinando o regresso das duas crianças a esse País, o que veio a ser solicitado pela Autoridade Central Francesa à Autoridade Central Portuguesa (DGRSP), ao abrigo do disposto no artigo 11º, nº 8, do Regulamento CE 2201/2003, tendo cumprido com a emissão da certidão prevista no artigo 42º do mesmo Regulamento, o que deu origem no Tribunal a quo do presente procedimento tutelar de entrega judicial de crianças.
Ora estes factos suportam, a nosso ver, sem margem para rebuços, o enquadramento da questão sub-judice feito na sentença recorrida, concretamente ao nº 8 do artigo 11º, devidamente conjugado com o nº 1 e 2 do artigo 42º, ambos do Regulamento CE 2201/2003 de 27/11, do Conselho, não sendo caso de colocar em causa a competência do Tribunal francês para proferir a decisão posterior à decisão de retenção proferida em Portugal, que exigiu o regresso das crianças a França para viverem com o pai, por não se revelar aplicável ao caso concreto a alínea a) do artigo 10º, nem qualquer uma das condições prevenidas em i) a iv) da alínea b) do referido artigo do supra identificado Regulamento CE, possuindo, consequentemente, a decisão posterior à de retenção das duas crianças em Portugal, proferida em França a 11/07/2019, que determinou o regresso do (…) e da (…) a França, força executória, tendo o ordenado regresso de ser reconhecido em Portugal, enquanto Estado-Membro, onde tal decisão goza igualmente de força executória.
Insurge-se a Apelante contra o facto de o (…) e a (…), na sequência da sua audição, terem manifestado oposição a regressar a França para casa do pai, manifestando preferência em continuar a viver com a Apelante, o que constitui facto provado na sentença recorrida, concluindo a Apelante que, dado o tempo de residência habitual que as duas crianças já levam consigo em Portugal e a preferência manifestada por elas, impor o seu regresso para junto do pai em França violará flagrantemente o superior interesse das mesmas.
Porém, não tem razão nessa sua argumentação uma vez que a emissão da certidão a que alude o artigo 42º do Regulamento CE que vimos citando está condicionada à verificação dos vários pressupostos previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 desse normativo, afigurando-se adequado considerar que, mormente no que tange ao pressuposto previsto na alínea c), o superior interesse das crianças tenha sido devidamente relevado.
Revela-se, assim, como bem sublinhou a sentença recorrida, inviável para o Tribunal Português nesta fase, enquanto mero Tribunal de execução, apreciar da validade material e mesmo formal da decisão proferida no Tribunal de origem em 11/07/2019, ainda que subsista oposição da parte do (…) e da (…) relativamente a regressarem a casa do pai.
Para concluir, reiteramos, por sustentarem o que temos vindo a dizer, as decisões jurisprudenciais emanadas do TJUE correctamente salientadas na decisão recorrida, destacando apenas o seguinte trecho do sumário do acórdão proferido em 22/12/2010 no processo C – 491/10PPU, que opôs (…) a (…), (acessível para consulta através de eur-lex.europa.eu): “Com efeito, os sistemas de reconhecimento e de execução das decisões proferidas num Estado-Membro estabelecidos pelo Regulamento nº 2201/2003 baseiam-se no princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros quanto ao facto de as respectivas ordens jurídicas nacionais estarem em condições de fornecer uma protecção equivalente e efectiva dos direitos fundamentais, reconhecidos ao nível da União, em particular, na Carta dos Direitos Fundamentais. É, portanto, na ordem jurídica do Estado-Membro de origem que as partes interessadas devem explorar as vias de recurso que permitam contestar a legalidade de uma decisão acompanhada da respectiva certidão ao abrigo do artigo 42º do Regulamento n.º 2201/2003”.
Termos em que improcedem as conclusões recursivas, sendo de negar provimento ao recurso apresentado pela Apelante e confirmar a douta sentença recorrida.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pela Apelante (…) e, em consequência:
a) Confirma-se a sentença recorrida;
b) Fixam-se as custas a cargo da Apelante nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 e 2, do CPC.
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Évora, 30/01/2020
José António Moita
Silva Rato
Mata Ribeiro